sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Joaquim Barbosa: 'Há um déficit de justiça'


23/11/2012 – 09h37

Fonte: jornal O Globo

Numa solenidade prestigiada por políticos, artistas e autoridades do meio jurídico, o ministro Joaquim Barbosa tomou posse ontem na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) criticando a desigualdade no acesso à Justiça, defendendo a independência do juiz e condenando a atitude de pedir favores a políticos para facilitar promoções na carreira de magistrado. Ele afirmou que os magistrados devem respeitar os anseios da sociedade em suas decisões.
 
Ao lado de Joaquim, a presidente Dilma Rousseff acompanhou toda a sessão com ar de poucos amigos. A parte mais dura, com recados de que o STF não se curvará a interesses de algozes, foi reservada para o discurso do ministro Luiz Fux, escolhido por Joaquim para falar em nome da Corte. Antes de fazer o pronunciamento, Fux submeteu o texto ao novo presidente.
 
O Judiciário a que aspiramos é um Judiciário sem firulas, sem floreios, sem rapapés 
Joaquim Barbosa
presidente do STF
Joaquim defendeu igualdade para todos no acesso à Justiça - algo que ainda não existe no Brasil, segundo ele mesmo. "Ao falar sobre o direito da igualdade, da igual consideração, é preciso ter a honestidade intelectual para reconhecer que há um grande déficit de justiça entre nós. Nem todos os brasileiros são tratados com igual consideração quando buscam o serviço público da Justiça. Gastam-se bilhões de reais anualmente para que tenhamos um bom funcionamento da máquina judiciária. Porém, o Judiciário a que aspiramos é um Judiciário sem firulas, sem floreios, sem rapapés. O que buscamos é um Judiciário célere, efetivo e justo. De nada valem as edificações suntuosas, sofisticados sistemas de comunicação e informação, se naquilo que é essencial a Justiça falha", declarou.
 
Sobre a independência dos juízes, o novo presidente afirmou: "É preciso reforçar a independência do juiz, afastá-lo desde o ingresso na carreira das múltiplas e nocivas influências que podem paulatinamente minar-lhe a independência. Essas más influências podem se manifestar tanto a partir da própria hierarquia interna a que o jovem juiz se vê submetido, quanto os laços políticos de que pode às vezes se tornar tributário na natural e humana busca por ascensão funcional e profissional. Nada justifica a pouco edificante busca de apoio para uma singela promoção de juiz do primeiro para o segundo grau".
 
Interrompido por aplausos efusivos dos presentes, Joaquim concluiu: "O juiz, como entre outras carreiras importantes do Estado, deve saber de antemão quais são as suas reais perspectivas de progressão. E não buscar obtê-las por meio da aproximação ao poder político".
 
Antes do novo presidente, discursou o ministro Luiz Fux, com recados duros aos críticos do STF. Ele afirmou que o tribunal está unido para combater eventuais adversários: "A democracia brasileira funciona a todo vapor, e esses novos desafios não poderiam se encontrar mais bem capitaneados no Supremo Tribunal Federal pela mente e pelo coração de Joaquim Barbosa. E pela união institucional e espartana da Corte, preparada para julgamentos mais árduos e para o confronto eventual contra qualquer força oposta aos seus julgados, quer pretendam macular a instituição como um todo, quer elejam eventuais algozes para encobrir os desmandos movidos por desvarios e insensatez antirrepublicanos", afirmou.

No mesmo discurso, antes de dar os recados, Fux fez elogios à presidente Dilma Rousseff, que estava presente e mantinha o semblante rígido. Ao cumprimentar Joaquim pela posse, no plenário do STF, Dilma apertou-lhe a mão e não sorriu. Ricardo Lewandowski, empossado vice-presidente, ganhou um abraço. Não estavam presentes ministros petistas como Gilberto Carvalho, Ideli Salvatti, Aloizio Mercadante e Fernando Pimentel. Já os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Defesa, Celso Amorim, compareceram.

O Supremo Tribunal tem agido com inegável respeito às legítimas manifestações dos outros Poderes da República
Luiz Fux
ministro do STF
"O Brasil experimenta um momento único em sua história. A passos largos, trilhamos, em meio a um cenário internacional, que é deveras desfavorável, o caminho da prosperidade e da pujança econômica. Tudo decorrente dos exemplos de amor à coisa pública e da subserviência à ética no poder por parte da nossa chefe suprema, a presidente Dilma Rousseff", disse Fux.
 
Aplaudido pela plateia, Fux continuou, reiterando que os juízes são independentes: "Nós, os juízes, não tememos nada nem a ninguém. A independência dos juízes, aquele princípio institucional pelo qual no momento em que julgam eles devem sentir-se desvinculados de toda e qualquer subordinação hierárquica, é duplo privilégio, que impõe a quem o desfruta a coragem de ficar a sós consigo mesmo, frente a frente, sem se esconder atrás da ordem superior".
 
Joaquim: juiz deve atender anseio da sociedade
 
O ministro também disse que o STF, diferentemente do que se diz, não usurpa funções do Executivo ou do Legislativo em seus julgamentos sem ter sido eleito pelo povo para atuar. Para Fux, é necessário que um órgão composto por juízes, e não por políticos, fiscalize o cumprimento da Constituição Federal.
 
"O medo de um governo de juízes, externado pelos críticos dessa alvissareira era, sequer encontra respaldo na praxe de atuação da Corte Constitucional, dado que o Supremo Tribunal Federal tem agido com inegável respeito às legítimas manifestações dos outros Poderes da República", disse.
 
No discurso, Joaquim disse que os juízes devem atender aos anseios da sociedade, embora não devam ser subservientes aos clamores públicos. "Pertence definitivamente ao passado a figura do juiz que se mantém distante, indiferente, para não dizer inteiramente alheio aos anseios fundamentais da sociedade na qual está inserido. Se é certo que a noção de liberdade comumente aceita entre nós impede que se exija a adesão cega do juiz a todo e qualquer clamor da comunidade a que serve, mais certo ainda é o fato de que, no exercício da sua missão constitucional, o juiz deve sim sopesar e ter na devida conta os valores mais caros à sociedade na qual ele opera", declarou.
 
O ministro Lewandowski, que teve várias divergências com Joaquim durante o julgamento do mensalão, também foi elogiado nos discursos realizados na posse. Entre os feitos destacados esteve a defesa da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, que impede a candidatura de condenados em órgãos colegiados. O ministro Fux também ressaltou que Lewandowski foi relator de ações importantes, como a que garantiu a constitucionalidade do sistema de cotas nas universidades, e a que vetou o nepotismo no serviço público.

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