quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Devedor pode ter salário penhorado com novo CPC


27-09-2012

Fonte: Jornal do Commercio

A Justiça poderá autorizar a penhora de parte do salário de devedores ou ainda determinar que os inadimplentes fiquem com o nome sujo na praça até pagar o que foi determinado pela sentença. Essas medidas foram incluídas pelo relator, deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), no projeto de novo Código de Processo Civil (CPC PL 8046/10). As duas mudanças buscam forçar o cumprimento das decisões e, assim, dar mais eficiência à Justiça. O relatório foi apresentado no último dia 19 e começará a ser discutido pela comissão especial que analisa o novo CPC no dia 10 de outubro.
O texto de Barradas permite o desconto de até 30% do rendimento mensal que exceder seis salários mínimos, calculados após os descontos obrigatórios (Imposto de Renda, contribuição previdenciária e pensão). Pelas regras atuais, o salário é considerado verba de natureza alimentar e, por isso, não pode ser penhorado, a não ser nos casos de pensão.
Algumas decisões judiciais, no entanto, já flexibilizaram a norma e permitiram a penhora quando o valor devido também constitui recursos para o sustento do credor. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, permitiu o desconto no salário para pagar honorários devidos por um cliente.
Não é a primeira vez que o Congresso Nacional discute a penhora de parte dos salários. O Parlamento já aprovou um projeto que autorizava essa prática, mas o dispositivo foi vetado pelo então presidente Luis Inácio Lula da Silva ao sancionar a Lei 11.382/06. O relator argumenta que, desta vez, a mudança tem o apoio de instituições, a exemplo da Defensoria Pública da União. Segundo Barradas, ao estabelecer o limite de seis salários mínimos, a proposta não afetará o orçamento da maioria dos assalariados. "Esse valor é o teto da Previdência, não vai prejudicar o sustento de trabalhadores e aposentados", defende.
Alguns deputados, porém, já se manifestaram contrários à medida. O sub-relator de execução, deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), manteve a impenhorabilidade dos salários no seu relatório parcial. O texto de Barradas também determina a inscrição do nome do devedor judicial nos cadastros de proteção ao crédito, como SPC e Serasa, com o objetivo de dar efetividade à sentença.
Protagonismo
Outra inovação prevista no relatório é o incentivo ao protagonismo das partes por meio do acordo de procedimentos e do calendário processual. Esses mecanismos incentivam que as partes definam algumas etapas da tramitação da ação. "Os advogados se juntam e decidem se haverá perícia, quem será o perito, quais as testemunhas e quando elas serão ouvidas", explica Barradas. "A proposta valoriza o diálogo entre o juiz e as partes", ressalta.
O Código de Processo Civil é a norma que regula a tramitação de todas as ações não criminais: questionamento de contratos, reconhecimento de direitos, direito do consumidor e de família, questões trabalhistas, administrativas, entre outras. O projeto do novo CPC foi elaborado por uma comissão de juristas do Senado chefiada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux (à época, ministro do STJ) e aprovado pelos senadores em dezembro de 2010. A proposta busca agilizar o trabalho da Justiça ao eliminar burocracias e formalidades, limitar recursos, incentivar a jurisprudência e a conciliação.
O relatório de Barradas mantém as linhas principais do texto original, inclusive a maior inovação do projeto: um mecanismo específico para o julgamento das ações de massa. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas vai permitir que uma só decisão seja aplicada a várias ações judiciais repetitivas, caso, por exemplo, de ações contra contratos de telefonia, água, luz e outros serviços coletivos. Identificados os processos repetitivos e instaurado o incidente, essas ações terão a tramitação suspensa até que a segunda instância decida sobre a tese em questão.
A mesma decisão será aplicada a todas as ações semelhantes, a exemplo do que já ocorre com os recursos repetitivos e com a repercussão geral.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Carta aberta ao Congresso contra Código Penal


18-09-2012

Fonte: revista eletrônica Consultor Jurídico

Reunidos no Seminário Crítico da Reforma Penal organizado pela Escola da Magistratura do Rio de Janeiro e Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça entre os dias 11 e 13 de setembro de 2012, juristas de todo o Brasil dedicaram-se à análise crítica do Projeto de Lei do Senado n. 236, que propõe um novo Código Penal para o país.
 
Os trabalhos apresentados e discutidos no Seminário demonstraram, sem exceção, inúmeras deficiências teóricas no Projeto, em boa medida resultado da equivocada e acrítica incorporação de critérios jurisprudenciais de imputação em detrimento à dogmática penal mais avançada, tanto em termos técnicos quanto democráticos.
 
A notável pobreza teórica do Projeto, constatada por unanimidade, precisa ser destacada porque implica maior dificuldade na tentativa de controle democrático da competência punitiva do Estado. Assim é que, por suas falhas, o Projeto afasta o Direito Penal simultaneamente da Ciência e da Cidadania, isto é, não só se opõe ao saber jurídico, mas também ao soberano poder popular.
 
A proposta revela, contudo, problemas ainda mais graves. Longe de inaugurar um marco no Direito Penal brasileiro, o Projeto é profundamente anacrônico, como revela uma análise sistêmica. É evidente seu compromisso ideológico com a ultrapassada política de defesa social, própria do Estado de Polícia e, portanto, absolutamente incompatível com o Estado Democrático de Direito.
 
A aposta na pena privativa de liberdade para repressão e prevenção da criminalidade que propõe é, provavelmente, o reflexo mais claro desta natureza punitivista do Projeto que, para piorar, abre mão de alternativas desencarceradoras em favor da prisão, cujo fracasso para fins de ressocialização foi exaustiva e reiteradamente demonstrado pela teoria - a mesma teoria que a Comissão responsável pela elaboração do texto decidiu, convenientemente, ignorar.
 
Diante de um sistema de justiça criminal sobrecarregado, seletivo e desumano – sobretudo no que se refere à execução penal, em toda sua miséria real – esta contraditória reafirmação da pena é radicalmente antidemocrática, porque agrava o já terrível drama carcerário.  Mas se a grave violação dos direitos fundamentais decorrente da eventual aprovação do Projeto de Código não for argumento suficiente para rejeitá-lo, importaria notar ainda o substancial aumento do custo social, político e econômico do sistema de justiça criminal – notadamente, do sistema penitenciário – que determinaria.
 
Em síntese, o Projeto de Lei do Senado n. 236 é incompatível com a promoção do ideal republicano de uma sociedade mais livre, justa e solidária. E seja pela quantidade de defeitos que apresenta ou por seu pernóstico compromisso ideológico com a repressão, o fato é que o Projeto não pode - nem deve - ser reparado mediante supressão, modificação ou acréscimos.
 
Somente a radical negação da proposta, como um todo, é admissível. Esta é a conclusão dos juristas que abaixo subscrevem.
 
  • Juarez Tavares (Uerj)
  • Juarez Cirino dos Santos (UFPR)
  • Geraldo Prado (UFRJ)
  • Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (UFPR)
  • Vera Regina Pereira de Andrade (UFSC)
  • Salo de Carvalho (UFRS)
  • Ana Elisa Silva Bechara (USP)
  • Luis Greco (Luwidg Maximilians Universität)
  • Leonardo Yarochewsky (PUC-MG)
  • Cláudio Brandão (UFPE)
  • Paulo Queiroz (Uniceub), procurador da República
  • Maurício Dieter (Unucuritiba)
  • Sérgio Verani (Uerj), desembargador do TJ-RJ 
  • Fernando Fragoso (Ucam), presidente do IAB
  • Paulo Baldez (Emerj), desembargador do TJ-RJ
  • Tiago Joffily (Uerj), promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
  • Alexandre Morais da Rosa (UFSC), juiz de Direito do TJ/SC
  • Alcides da Fonseca Neto (PUC-RJ), juiz de Direito do TJ-RJ
  • Alexandre Mendes (PUC-RJ).
  • Maria Lucia Karam, juiz de Direito do TJ-RJ
  • Guilherme José Ferreira da Silva (PUC-MG)
  • Luis Wanderley Gazoto (PGR)
  • Alexandre Wunderlich (PUC-RJ)
  • Katie Arguello (UFPR)
  • Rubens Casara (Ibmec-RJ), juiz de Direito do TJ-RJ
  • Marcos Peixoto, juiz de Direito do TJ-RJ
  • Antonio Martins (Goethe-Universitat, Frankfurt am Main)
  • Alaor Leite (Ludwig Maximilians Universität)
  • Cristiane Brandão (UFRJ)
  • Marcelo Semer, juiz de Direito do TJ/-P
  •  Bernardett Cruz Rodrigues (Emerj), Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro
  •  Sergio Louzada (Emerj), juiz de Direito do TJ-RJ
  • Victoria de Sulocki (PUC-RJ)
  •  Joel Corrêa de Lima (Emerj) 
  • Thiago Almeida (Faculdade Milton Campos - BH)
  • Séfora Azevedo, Defensora Pública Federal.
  • Diogo Tristão, procurador Federal.
  • Leonardo Rodrigues (Faculdade Milton Campos - BH)
  • Fernanda Tórtima, presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB/RJ
  •  André Vaz (Emerj), juiz de Direito do TJ-RJ
  • Nara Borgo (FDV)
  • Camilla Magalhães (Faesa)
  • Carolina Costa Ferreira (Uniceub)
  • Fabrício Campos
  •  Ademar Borges de Souza Filho, procurador do Município de Belo Horizonte
  • Ana Carolina Andrade Carneiro, defensora Pública Federal
  • Jair Cirino dos Santos, procurador de Justiça do Estado do Paraná
  • Carlos Domenico Viveiros, advogado.
  • Helena Regina Lobo da Costa (USP)
  • Isabel Coelho (Unifoa)
  • Edward Rocha de Carvalho
  • Aton Fon Filho, advogado (Renap).
  • José Henrique Torres, presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e juiz de Direito do TJ-SP
  • João Batista Damasceno (UFF), Cientista Político e juiz de Direito do TJ-RJ
  • Dora Martins, Ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia e juiz de Direito do TJ/SP
  • Maurício Salles Brasil (AJD), juiz Direito do TJ/BA
  • Patrick Cacicedo, defensor público do Estado de São Paulo 
  • Roberto Rainha (Renap), advogado.
  • Ricardo Genelhu
  • Reinaldo Santos de Almeida Júnior 
  • João Marcos Buch (AJD), juiz de Direito do TJ/SC
  • Luiza Dias Gomes, Advogada.
  • André Nicolitt (Ucam), juiz de Direito do TJ-RJ
  • Maria Ignez Baldez Kato (IBMEC), defensora pública do Estado do Rio de Janeiro
  • Juvelino José Strozake (Renap)
  • Cristiane Dupret (Emerj) 
  • Francisco Ortigão (UFRJ)
  • Felipe Caldeira (Ibmerc - RJ)
  • Alexandre Mallet (Ucam)
  • Rodrigo Machado (Ucam)
  • Taiguara Souza (Ibmec – RJ)
  • Antonio Pedro Melchior (Emerj)
  • Gisela França da Costa (Ibmec – RJ)
  • Carolina Medici (Facha)
  • Cipriana Nicolitt (Ibmec - RJ)
  • Christiano Fragoso (UFRJ)
  • Renato de Melo Silveira (USP)
  • Henrique Fagundes Filho (UNB)

Juristas lançam manifesto contra novo Código Penal


18-09-2012

Fonte: revista eletrônica Consultor Jurídico

A ofensiva de juristas contra o novo Código Penal ganhou corpo na última semana, com mais um manifesto de especialistas críticos ao Projeto de Lei do Senado 236. Na última quinta-feira, dia 13, durante o Seminário Crítico da Reforma Penal, promovido pela Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj) e Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, o professor de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de JaneiroJuarez Tavares leu uma carta aberta em que aponta "inúmeras deficiências teóricasno projeto".
As críticas seguem as mesmas elencadas no manifesto lançado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IbcCrim) no final de agosto. Segundo o texto divulgado no Rio, o projeto é dotado de "notável pobreza teórica" e de "natureza punitivista". De acordo com os autores do manifesto, o projeto "abre mão de de alternativas desencarceradoras" e ignorou a teoria que comprovou o "fracasso" da prisão.
A presidente da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativa da OAB/RJ (Cdap), Fernanda Tórtima, representou a Seccional no evento e também criticou o projeto. "A OAB vem tentando acompanhar o projeto e, confesso, ainda não tivemos como analisar todos os pontos. Exatamente por isso me espanta que a comissão [de reforma do Código Penal] tenha conseguido, em tão pouco tempo, elaborar o que, ao meu ver, é um Código novo", analisou.
Ela, que assinou o manifesto, também questionou se as audiências públicas realizadas teriam sido aproveitadas pelo grupo que elaborou o texto e as próprias alterações do texto: "Realizaram mudanças na parte geral do texto que são incoerentes com o que se produziu na parte especial, como a questão da violação de bem jurídico, positivando o principio da ofensividade, enquanto punem, por exemplo, o cambismo, onde não se pode, por mais que se tente, identificar bem jurídico", observou, constatando: "Já que não havia tempo e que algumas modificações emergenciais eram necessárias, o ideal seria que o projeto se restringisse às alterações pontuais".


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Empregado à disposição no celular durante descanso receberá extra


17-09-2012

Fonte: jornal O Globo

A forma como empregadores usam o celular para contatar seus empregados durante descanso deve mudar, após decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) divulgadas nesta sexta-feira. O tribunal aprovou alterações na jurisprudência sobre o regime de sobreaviso, e com isso, o funcionário que estiver à disposição da empresa por celular ou computador em momento de descanso, aguardando a qualquer momento um chamado para o serviço, tem direito ao adicional de sobreaviso, correspondente a 1/3 da hora normal.
 
As decisões mudam o texto de Súmulas e Orientações Jurisprudenciais, que ajudam a definir ações futuras sobre o assunto. A revisão desses entendimentos é resultado das discussões de um mutirão do TST para tratar desse e de outros assuntos recorrentes em ações trabalhistas.
 
Revisão de entendimentos é resultado de mutirão do TST para tratar de assuntos recorrentes em ações trabalhistas
Recentemente, um chefe de almoxarifado que ficava à disposição da empresa no celular conseguiu ganhar na Justiça o pagamento de um terço da hora extra por esse período. A Primeira Turma do TST manteve decisão que reconheceu o direito ao recebimento de horas de sobreaviso ao funcionário. Na ocasião, o Tribunal ressaltou que, embora a jurisprudência do TST estabeleça que o uso do celular por si só não caracteriza o regime de sobreaviso, concluiu-se que o empregado permanecia à disposição da empresa, que o acionava a qualquer momento, limitando sua liberdade de locomoção.
 
O TST esclareceu que para ter direito ao adicional de 30% (incidente sobre o valor da hora), é preciso que o empregador tenha determinado previamente um intervalo de tempo, em que o empregado precisa ficar à disposição, em casa ou em qualquer outro lugar, podendo ser convocado a qualquer momento.
 
A decisão, segundo o presidente do TST, João Oreste Dalazen, tem o objetivo de "colocar um pá de cal" na controvérsia gerada em torno do chamado teletrabalho, exercido à distância, depois de uma alteração recente na CLT (Lei 12.551/2011), que passou a considerar como vínculo empregatício serviços prestados pelos trabalhadores fora do local de trabalho, por meio eletrônico.
 
Ele explicou que o adicional tem que ser pago, mesmo se o trabalhador não for convocado. Caso seja chamado a executar um serviço no local do trabalho ou por meio eletrônico, a empresa terá que pagar hora extra.
 
Entendimento é definitivo e vem junto de uma série de outras decisões antiga
Dalazen disse que a Súmula anterior (a 428), que tratava do tema, afirmava apenas que o simples de uso de equipamento eletrônico fornecido pela empresa, fora do local de trabalho, não dá direito a hora extra. A norma também não fazia referência à escalas de trabalho. O novo entendimento é definitivo e vem junto de uma série de outras decisões antigas, que foram revistas pelo TST, nesta semana.
 
Outra alteração aprovada hoje foi a extensão do direito à estabilidade à gestante e ao trabalhador vítima de acidente de trabalho, mesmo em caso de admissão por contrato com tempo determinado. Uma nova súmula garante ao trabalhador que tiver seu contrato de trabalho suspenso, em virtude de auxílio-doença acidentário, o direito à manutenção do plano de saúde ou assistência médica por parte do empregador. A empresa terá que manter o plano de saúde, mesmo que o acidentado fique afastado pelo INSS.
 
O TST entendeu também que o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, regulamentado por lei no ano passado, não retroage. Há vários processos judiciais movidos por trabalhadores demitidos antes da lei, cobrando o benefício, que varia entre 30 dias e 90 dias.
 
Durante a semana de mutirão, foram debatidos 43 temas da jurisprudência e foram alteradas 13 súmulas, além de serem canceladas duas.

Entrevista de Francisco Falcão no cargo de xerife do Conselho Nacional de Justiça, órgão que fiscaliza a atuação de 16 mil juízes


17-09-2012

Fonte: revista Isto é

Quais as semelhanças e diferenças entre o sr. e a sua antecessora, Eliana Calmon?
 
Entramos juntos no Superior Tribunal de Justiça em 1999, fomos sabatinados juntos, integramos a mesma sessão de direito público e, mais uma coincidência, moramos já há cinco ou seis anos no mesmo prédio. Tenho um estilo muito parecido com o dela em matéria de rigor. Talvez eu seja até mais rigoroso do que ela, só que procuro agir de uma forma mais discreta. Cada pessoa tem o seu temperamento. No fundo, o resultado será o mesmo. Inclusive ela me disse que tinha muita gente apostando que, quando o Falcão assumisse, as coisas iam mudar. Mas quem estiver pensando que vai haver modificação no trabalho está completamente enganado.
 
Um dos pontos da nossa administração vai ser garantir a presença do juiz no local de trabalho
 
Na sua posse, o sr. investiu contra o que chamou de "maçãs podres" do Judiciário. É o equivalente, no seu vocabulário, aos "bandidos de toga" a que a ministra se referia? O sr. acha que ela foi feliz na expressão, criticada por entidades de juízes?
 
Eu não queria fazer esse comentário. Foi uma expressão que ela usou, e ela mesma me disse que não foi para chamar todo mundo de bandido. O que ela quis dizer é que havia maçãs podres, o mesmo que estou dizendo agora, só que eu acho que não é essa quantidade tão grande. Existe uma minoria, que espero que seja uma minoria mínima, do que eu chamo de maus juízes, de vagabundos. E essas maçãs podres é que temos de extirpar do Poder Judiciário, sob pena de prejudicar a imagem da instituição.
 
Qual será o seu método para chegar aos maus juízes?
 
O meu trabalho é exatamente trabalhar com as corregedorias. Onde os corregedores não punirem, nós vamos agir. E punir quem estiver errado. Inclusive o corregedor, se for o caso.
 
O que exatamente o sr. chama de maçã podre?
 
As notícias que correm são de que aqui e acolá, num tribunal ou em outro, é comum ter essas pessoas que se desviam do interesse público para o interesse privado. A corrupção é algo intolerável, mas há também os maus juízes, aqueles que não trabalham, que não residem na comarca. Um dos pontos da nossa administração vai ser garantir a presença do juiz no local de trabalho. Hoje você vai a uma comarca do interior da Paraíba,por exemplo. O juiz está lá terça e quarta-feira. Segunda, quinta e sexta-feiras, não tem ninguém.
 
Que punição o sr. defende para esses juízes?
 
Afastar do Judiciário. Há uma polêmica que envolve essa questão da aposentadoria com remuneração. Temos de assegurar ao magistrado a remuneração com base no que ele contribuiu. Não temos como aposentar e dizer que não vai receber nada. O que se faz é conceder aposentadoria proporcional ao tempo de serviço. O magistrado que tiver mais de 35 anos de serviço sai com aposentadoria integral, o que é um prêmio. Agora, eu defendo o ressarcimento ao erário, uma medida em discussão no Congresso. O juiz vendeu uma sentença, cobrou R$ 100 mil, tem de devolver isso para o Fisco. Não deve haver apenas a condenação penal e a perda do cargo, mas o ressarcimento ao erário do dano causado.
 
E o sr. admite que o CNJ possa quebrar o sigilo dos investigados?
 
A Constituição Federal garante a todos o sigilo fiscal, bancário e telefônico. A corregedoria não fará nenhuma quebra de sigilo sem autorização judicial. Eu, pessoalmente, defendo, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, que nenhuma autoridade pública tenha direito a sigilo. É um tema que mais cedo ou mais tarde vai voltar a ser discutido, e eu espero que um dia esse sigilo acabe no Brasil. Quem exercer cargo público deve ter o Imposto de Renda aberto na internet. Nós já encaminhamos as nossas declarações ao Tribunal de Contas, mas isso tem de ser aberto para qualquer cidadão.
 
Em matéria de rigor, vocês (magistrados) correm o risco de sentir saudade da ministra Eliana Calmon
A que o sr. atribui a expectativa favorável da Associação dos Magistrados Brasileiros à sua atuação? A AMB chegou a ir ao Supremo contra os poderes do CNJ.
 
Não sei. Sou filho de juiz. Tenho um temperamento mais ponderado. Mas não confundam ponderação com falta de rigor. Inclusive, em visita ao tribunal de São Paulo, fiz questão de dizer na frente do presidente da AMB, doutor Nelson Calandra: "Olha, não se confunda humildade e discrição com falta de rigor. Em matéria de rigor, vocês correm o risco de sentir saudade da ministra Eliana".
 
A ministra Eliana costuma dizer que ninguém chega ao STJ sem um padrinho político. Quem são os seus?
 
É verdade, ninguém chega ao STJ sem padrinho, embora eu tenha sido o primeiro lugar da lista quando concorri aqui. Na época, quem me ajudou muito foi o vice-presidente Marco Maciel, pernambucano, meu primo, o então governador do Ceará, Tasso Jereissati, e o senador Antônio Carlos Magalhães. Também o governador de Pernambuco na época, Jarbas Vasconcelos. E isso é bobagem. Estou aqui já há 13 anos e nunca, nunca Marco Maciel me fez um pedido.
 
E os demais?
 
O ACM uma vez me pediu a preferência, quando era presidente do Congresso. Disse: "Tem um processo aí, se puder julgar isso rápido." Só isso, o que é uma coisa natural. O processo político é inevitável. Como você vai fazer se não tiver uma pessoa na área política? É demagogia dizer que não existe isso.
 
A ministra Eliana Calmon reclamou que há filhos de ministros e ministros aposentados que advogam. O sr. vê conflito de interesses?
 
Há duas categorias de filhos de ministros que advogam. Eu tenho dois filhos que advogam. Uma filha com 36 e outro com 31. Recolhem Imposto de Renda, têm escritórios em São Paulo e em Brasília e advogam com procuração nos autos. Não posso impedir. Nunca aconteceu conflito de interesses, porque na turma em que eu oficiei, que é a primeira turma, eles não advogam. Na corte especial, em que eu atuava, acho que já tiveram um ou dois casos. Eles fazem a sustentação oral deles, eu me retiro do plenário. Posso falar pelos meus filhos. Pelo dos outros, eu prefiro não falar. A gente sabe que há filhos de desembargadores que tomam causas dos escritórios. Isso a OAB tem de ir em cima.
 
O sr. já teve parentes trabalhando em seu gabinete.
 
Em 1995 e 1996, não havia proibição legal. Isso era uma prática no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Todos empregavam. O presidente Fernando Henrique tinha uma filha que era secretária particular dele. Não havia proibição. E eu tinha uma irmã que trabalhava comigo. Exigia expediente e ela cumpria. E depois uma filha minha, a que é advogada até hoje, trabalhou comigo também.
 
Existe uma proposta em discussão no Congresso de o CNJ passar a fiscalizar também os conselheiros e ministros de Tribunais de Contas. O sr. apoia?
 
Vamos aguardar o que o Congresso vai decidir. Já temos muito trabalho. Aliás, já orientei que vamos cuidar do essencial, não vamos ficar na perfumaria. É por isso que eu digo que vou delegar um pouco aos corregedores estaduais. São 16 mil juízes e, se eu trouxer tudo para a corregedoria nacional, não you fazer nada. Por exemplo, teve o caso aqui de Goiás, o de um juiz que foi apanhado vendendo uma sentença. E a primeira maçã podre. Já estou assinando o despacho. Parece que cobrou R$ 96 mil para dar uma sentença. Já estou mandando para a corregedora do Tribunal de Justiça de Goiás instaurar um procedimento. Vou dar um prazo de 60 dias para ela se pronunciar. Se o Tribunal não se pronunciar nesses 60 dias, aí eu vou em cima da corregedora. Quando for um caso de repercussão nacional, importante, de maior gravidade, aí eu trago para o CNJ.
 
Quais as suas prioridades?
 
Olhe, existe uma cidade vizinha ao Recife, chama-se Jaboatão dos Guararapes. Lá, existem mais de dois mil júris para serem realizados. O que significa isso? Mais de duas mil pessoas perderam a vida, os bandidos estão soltos e não ocorre o julgamento. Então vamos fazer um mutirão lá em Jaboatão para em pouco tempo zerar isso daí. Depois,vamos fazer em São Paulo.
 
Por que Jaboatão?
 
É uma cidade pequena do interior com dois mil júris. Vamos dizer que São Paulo tenha 20 mil, mas São Paulo é um país. Outra prioridade é o que chamamos de Justiça Plena. A questão é dar celeridade a processos de grande relevância, de grande interesse nacional, tipo usina de Belo Monte. O juiz vai lá, dá uma liminar, segura o processo e o país fica parado na mão de um juiz. E o que nós vamos fazer? Não vamos pedir ao juiz que vote contra nem a favor. Mas, sim, que dê celeridade. Outra prioridade é a questão dos vencimentos.
 
Reajuste salarial?
 
Não, o cumprimento do teto salarial. Estamos apenas esperando que o Supremo decida. Na hora em que o Supremo decidir, e acredito que o Supremo vai dizer que o que vale é o teto, ninguém poderá ganhar mais do que ministro do STF. Hoje, há desembargadores que ganham o dobro de um ministro do STF. É um absurdo. A corregedoria vai atuar. E vamos cortar na hora.
 
Qual o principal desafio no mandato de dois anos?
 
Tenho uma responsabilidade muito grande. Além de defender meu próprio nome, tenho de defender uma biografia, o nome do meu pai. O desafio é prestigiar o Poder Judiciário, porque as instituições ficam e a gente passa.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Entra em vigor a Lei do Descanso para motoristas


11-09-2012

Fonte: revista eletrônica Consultor Jurídico

A partir desta terça-feira, dia 11, motoristas de ônibus, transporte escolar e transporte de carga com peso bruto superior a 4.536kg poderão descansar mais. Entrarão em vigor as Resoluções 405 e 406 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que regulamentam a Lei 12.619, conhecida como Lei do Descanso. Ela estabelece pausa de 30 minutos a cada quatro horas de trabalho e assegura o direito a intervalo de no mínimo 11 horas ininterruptas por dia.
 
Com a vigência da lei, o tempo máximo de direção diária será de dez horas. A empresa contratante será obrigada a remunerar o motorista acompanhante, mesmo que não esteja dirigindo, além de custear o tempo parado em fiscalizações e terminais de carga e descarga.
 
O controle do tempo de direção e descanso será aferido por tacógrafo, registrador instantâneo e inalterável de velocidade e tempo do veículo. O equipamento, obrigatório para veículos de transporte escolar, de passageiro e de carga, deve ser certificado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).
 
A fiscalização pode ser feita também em registro manual da jornada, por meio de diário de bordo ou ficha de trabalho, e o descumprimento da norma será considerado infração grave, sujeita a multa e retenção do veículo. De acordo com o Denatran, a regulamentação é um avanço para a categoria e vai diminuir o número de acidentes provocados por cansaço dos motoristas com sobrecarga de trabalho.
 
Cálculos preliminares dos sindicatos de transportadores apontam para aumento médio de 30% nos preços dos fretes. Eles alegam que, além do aumento de custos, um caminhão hoje roda em média dez mil quilômetros por mês e essa média deve cair para algo em torno de sete mil quilômetros.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Femicídio, o crime por gênero, é debatido na OAB/RJ


06-09-2012

Fonte: redação da Tribuna do Advogado

Um projeto de protocolo a ser firmado para investigação eficaz de crimes de morte contra mulheres por seu gênero, o femicídio, está sendo trabalhado com o apoio da Comissão de Direitos Humanos (CDHAJ) da Seccional, para ser apresentado e submetido ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em 2013.
Não existem dados sobre assassinatos nos quais mulher é morta por ser mulher

A presidente da comissão, Margarida Pressburger, recebeu nesta quarta-feira, dia 5, o presidente da Federação de Associações de Direitos Humanos da Espanha, Emilio Ginés, para debater o tema sob o ângulo brasileiro. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), no Rio de Janeiro foram assassinadas 303 mulheres em 2011, e houve 680 tentativas de homicídio contra elas.
 
Os possíveis pontos de interesse para o projeto foram discutidos com Ginés, que nesta quinta-feira, dia 6, se encontraria com a ministra da Secretaria de Políticas para as mulheres da Presidência da República, Eleonora Menicucci, para buscar a colaboração do governo federal. Membro, como Margarida, do Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU, Ginés ouviu as questões levantadas por organizações feministas e pela titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar do Rio de Janeiro, Adriana Mello, além da representante do Instituto dos Advogados Brasileiros, Margarida Prado, do presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB/RJ, Ivan Vieira, e da secretária-geral da CDHAJ, Camila Freitas.
Expressão femicídio é desconhecida até entre juristas e legisladores

Para a juíza, a maior dificuldade para a condenação dos criminosos é a falta de qualidade e a precariedade na investigação. Ela defendeu, para inclusão no projeto de protocolo, a responsabilização dos agentes públicos por erros ou falhas. A coordenadora executiva da organização Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia), Leila Linhares, disse que é importante a tipificação penal desses crimes contra as mulheres para disseminar a questão na sociedade, uma vez que na maior parte dos estados e no governo federal, como de resto em outros países, não existem dados específicos sobre os assassinatos de gênero – a mulher é morta pelo fato de ser mulher. 
 
A própria expressão femicídio é desconhecida até entre os juristas e legisladores, observou Leila. Tampouco no projeto de Código Penal em elaboração pelo Congresso está sendo considerado. A elaboração do protocolo continuará a ser debatida em um encontro na Guatemala no final do mês.

Caricatura depende de autorização do caricaturado, diz especialista


10-09-2012

Fonte: revista eletrônica Consultor Jurídico

Para o professor do Mackenzie Campinas Marco Antonio dos Anjos, humor é coisa séria. Tanto que foi a base de sua tese de doutorado, defendida em 2009 pela Universidade de São Paulo, onde fez todo seu percurso acadêmico.

Na tese, que analisa o humor sob o ponto de vista do Direito de Autor e da Personalidade, Marco Antonio aponta para as dificuldades que a Justiça enfrenta ao lidar com o tema. Segundo ele, no âmbido do Direito, falta um tratamento uniforme para a questão, dada a escassez de estudos sobre o humor. 
Em entrevista à ConJur, ele contou detalhes de sua tese e de suas ideias. Ele defende, por exemplo, que caricaturas só poderiam ser publicadas com o direito do caricaturado, e aponta para contradições relativas à liberdade para a paródia humorística e as restrições à paródia séria.
A questão ganhou relevância nos últimos meses, já que casos envolvendo humoristas tiveram forte repercussão na imprensa e na sociedade, como a condenação do comediante Rafinha Bastos por danos morais em processo movido pela cantora Wanessa Camargo; a decisão que considerou legal as paródias da Rede Record em relação a apresentadores e programas da Globo; e a decisão do Tribunal Superior Eleitoral que, nas eleições de 2010, liberou fazer humor com candidatos.


10-09-2012

Entrevista da Conjur com professor especializado em Direito e humor

Fonte: revista eletrônica Consultor Jurídico
Como os juízes julgam casos envolvendo o humor?
Não há um padrão exato. Parece que o que se refere ao humorismo depende mais da sensibilidade de quem julga, do que de um parâmetro concreto. Dou o exemplo do caso do Rafinha Bastos: talvez ali tenha acontecido mais um humor de má qualidade do que efetivamente uma ofensa.
O senhor achou cabível o pedido de indenização naquele caso?
Sim. É difícil analisar até que ponto a pessoa tenha realmente se incomodado com aquilo, mas vendo de longe, pelos meios de comunicação, parecia uma piada mal colocada, e não algo que tenha tido intenção de ofender. Existem exemplos que não tiveram muita repercussão na mídia que parecem ser mais ofensivos.
Poderia dar um exemplo?
O caso do Pânico: uma pegadinha que consistia em jogar baratas vivas em quem passava na rua. Isso me parece bastante ofensivo. O caso já foi julgado em São Paulo e no STJ, e houve a condenação. A mídia deu atenção para isso, mas não tanta como no caso anterior.
Sobre programas humorísticos, o senhor diz que é necessário que a pessoa seja avisada previamente do contexto em que ela vai ser inserida. Isso não viola a liberdade do apresentador?
Não. Eu tento trazer para essa área um conceito que já é muito comum no biodireito, que é do consentimento informado.
O que é isso?
Imagine um casal que vai se submeter a uma reprodução humana assistida. Eles têm que receber uma informação pormenorizada para que eles saibam exatamente tudo aquilo que acontece, a possibilidade de uma gravidez de muitos filhos e tudo mais, para que ele possa dar o chamado consentimento informado.
E no caso do humor?
Trazendo para o humor, conseguir uma autorização para uma pessoa, pura e simples, de que ela tem uma imagem e voz divulgadas no programa humorístico me parece pouco. A pessoa deve saber que aquilo vai ser transmitido em um programa humorístico e que ela pode ser colocada em uma situação de riso.
O caminho é pela prevenção?
Com a autorização no meu banco de dados, eu estarei tranquilo. O que poderia parecer um problema no início talvez a médio e longo prazo desse tranquilidade, porque o dano moral não tem critério. Você não tem um parâmetro.
E nos casos de programas de talk show, estilo Jô Soares ou do Danilo Gentile?
Vai entrar no dano moral. Mas é muito difícil imaginar que alguém vai a um programa desses e não tem a noção que o entrevistador terá um viés humorístico, então há a aceitação tácita. Teria que ser um abuso mesmo, alguma coisa que vai depender do caso concreto. Qual é o padrão para isso? Não há.
Há quem diga que vivemos uma 'ditadura' do politicamente correto, outros que certas piadas ferem o direito das pessoas. Como o senhor vê essa questão?
Todo extremo é ruim e por ter que ficar no meio termo é que muitas vezes a gente não encontra o parâmetro exato. O extremo da censura e do controle, espero que nunca mais. Outro extremo que se propaga é que o humor não tem limites ou a liberdade de expressão não tem limites. Ninguém pode usar da liberdade de expressão, entrar em uma sala de cinema e sair gritando: "fogo, fogo". Para que colocar pessoas em risco por uma brincadeira? Nem o direito à vida é sem nenhum tipo de limitação. A Constituição prevê a possibilidade de pena de morte em caso de guerra declarada.
E no caso de ser uma pessoa negra reclamando de uma piada de negros? O que ela difere de uma piada de português ou de fonoaudiólogos?
Todas essas piadas têm um elemento discriminador. No caso do humorismo e na piada, é mais complicado porque ele ofende a honra.
Mas aí no caso da piada do negro tem a questão da injúria racial que seria colocada no âmbito penal também.
Ela pode revelar, sim, um grupo tentando se sobrepor a outro, tentando, mesmo sem perceber, manter uma ideia de superioridade, mas como isso não é específico, sem ser direcionada a uma pessoa específica, acaba sendo aceita na sociedade, tendo em vista o direito à liberdade de expressão. A piada do português, do homossexual, a piada que o torcedor do time faz em relação ao outro, são genéricas. Se a gente aceitar que o pessoal de uma cidade não pode fazer piadas e brincadeiras com nascidos em outra cidade aí a gente cairia em uma ditadura do politicamente correto, e isso também acho que não pode.
Como lidar com essas questões na internet?
A internet segue o Direito como qualquer outra coisa. Só tem algumas diferenças, como a prova. Se eu fizer uma ofensa a você em um jornal impresso, você compra um exemplar, entra com uma ação, anexa um exemplar daquele jornal, resolvido. Se eu fizer a mesma ofensa pela internet, não adianta você pegar e imprimir, pois eu vou dizer que você mudou ou quando a pessoa pensar em processar eu tiro aquilo do ar.
O que deve ser feito então?
Você vai ter que elaborar uma ata notarial, ir até um cartório e fazer um documento com fé pública. A ofensa é a mesma e a ação que você está colocando contra mim são as mesmas de uma mídia impressa. A aplicação do direito é exatamente a mesma, só que é mais difícil.
O senhor discute também o uso de caricaturas em meio de comunicação. Como é isso?
Os jornalistas vão ficar bravos comigo. Às vezes o meio de comunicação vai dar uma notícia sobre uma pessoa e, em vez de uma foto, coloca uma caricatura. Até entendo que é algo que vai chamar a atenção, mas por que não a foto, que mostra a pessoa da maneira como ela se apresenta na sociedade normalmente, sem deformação nenhuma, e, sim, uma caricatura, que terá uma deformação da qual a pessoa pode não gostar? Tendo contato com esse tipo de situações, vivo me perguntando: pode ou não pode?
E como isso é visto no Brasil?
A única relação que se faz é com o Direito Penal, se há intenção de ofender. Mas ainda não é algo muito rigoroso. A minha visão seria mais do ponto de vista civil do que do ponto de vista moral, não na área criminal. No Brasil pouco se fala sobre isso e não existe uma doutrina definida. O que ocorre é que o intérprete, por gostar da atividade humorística, como qualquer pessoa, é condescendente com ela, sem o rigor que precisa ter. Muitas vezes a caricatura não se justifica, por melhor que seja e por mais talentoso que seja o caricaturista. E existem diferenças, por exemplo, entre a caricatura e a charge.
Qual é a diferença?
A caricatura tem como característica a finalidade humorística que consiste na deformação da imagem de uma pessoa. Ela pode mostrar o traço da personalidade da pessoa como senso de crítica, mas não é obrigatório. A charge não. É o desenho que pode ter deformação ou não. Ás vezes nem tanto, porque o objetivo não é esse. É uma crítica que se faz ao acontecimento. Na página 2 da Folha fica claro. Não é uma caricatura, é uma charge. É um desenho humorístico que critica algum fato que está sendo retratado pela própria Folha. Aí você tem a manifestação de crítica, liberdade de expressão. Isso é intocável. É uma expressão feita pelo humor, mas é válida. Você tem editorial do jornal, cartas do leitor, artigos assinados e a crítica do chargista. Muitas vezes se chama de caricatura o que na verdade está dentro de uma charge. E a charge é livre, porque está coberta pela liberdade de expressão.
Qual a importância dessa diferenciação para o Direito?
A Constituição prevê liberdade e direito de imagem, entre outras coisas. Então uma caricatura que não tenha um objetivo de crítica, sem interesse público, vai depender da autorização do caricaturado. Sei que isso tornaria a caricatura mais problemática porque talvez o caricaturado não concorde, mas existe direito de imagem. As pessoas têm esse poder de se resguardar. Já a charge é livre.
Essa autorização seria expressa ou poderia ser tácita?
O ideal seria que fosse expressa, mas ela pode ser tácita, por exemplo, se eu peço para o caricaturista elaborar a minha caricatura.
Por que essa autorização seria necessária?
Às vezes o caricaturista realça o ponto fraco de uma pessoa, ou alguma coisa que a pessoa não gosta. A Constituição diz que a imagem é protegida. Ela não faz ressalva à atividade humorística.
Mas e o direito de livre manifestação do artista?
Por um lado tem o direito do artista de expor o talento dele e do outro lado o direito da pessoa não querer que a imagem dela seja divulgada. Como a caricatura não tem, nesse caso, uma crítica, um objetivo maior, prevalece o direito individual.
Como definir essa fronteira?
É subjetiva. Isso no Direito não tem jeito.
Um veículo de comunicação deveria pedir a autorização para retratar as pessoas em caricaturas?
Sim. Seria mais seguro. Sei que isso limitaria o trabalho da imprensa, mas não acho que seja uma barreira intransponível. Poderia haver um cadastro ou um arquivo. Acho que não seria muito comum que pessoas recusassem porque é um sinal que ela tem uma projeção, relevância e o que dizer.
Isso não é censura?
Não é censura, porque seria uma coisa muito limitada. Seria censura se uma pessoa, por exemplo, pudesse impedir que nem sequer uma foto dela fosse divulgada em uma notícia desfavorável no jornal.
Há casos concretos?
Houve o caso de uma caseira de um condomínio que bateu o carro no estacionamento. O condomínio tinha um jornalzinho interno e fizeram uma charge com um desenho engraçado do acidente. Ela não gostou, entrou com uma ação por dano moral e perdeu porque aquilo era uma charge. Houve o acidente, era um fato concreto e mostraram aquilo de uma maneira engraçada.
E quando você tem uma caricatura dentro de uma charge, ou seja, um personagem com os traços deformados sendo retratado em um contexto?
Como isso é uma charge, me parece que é normal. Não tenho uma pesquisa nesse sentido, mas o que eu sinto ao vê-las é que a deformação da imagem não é tão intensa. Até porque o objetivo do chargista não é esse
Essa obrigatoriedade em pedir autorização não pode cercear o exercício profissional?
Não, porque o jornal, em vez de caricatura, certamente no banco de dados tem uma foto da pessoa. Ele pode colocar a foto. Não conheço exatamente o dia a dia de uma redação, a correria que deve ser no final, mas não acho que isso atrapalharia.
Como os tribunais vêm decidindo esse assunto: eles refletem esse pensamento do senhor?
Essa distinção não é feita e o que vai para os tribunais é a charge, que é a crítica a fatos, como a da pessoa do condomínio que não gostou daquilo.  Houve uma decisão no Supremo que o chargista entendeu que favorecia juízes. Um juiz não gostou daquilo e entrou com uma ação. Não ganhou porque era uma charge que falava dos juízes em geral. Não falava de um especificamente e o tribunal entendeu que aquilo poderia ficar dentro do aborrecimento.
Qual o posicionamento do senhor a respeito desses casos de uso de imagens, de bonecos, imitação de voz?
O padrão que eu tentei estabelecer sempre vai depender um pouco do raciocínio do juiz. Eu só procurei ter algum caminho. O que está por trás dessa atividade humorística é no sentido de crítica àquela pessoa? Resposta: sim. Está livre. Liberdade de expressão, de crítica, debate de ideias. Se é um mero humor relacionado àquela pessoa, como uma caricatura, aí a individualidade tem que prevalecer.
O senhor também trabalha com o conceito de paródia. Como defini-la?
Antes de fazer a pesquisa achava que paródia era pegar uma obra séria e convertê-la em humor. Mas ela não é só isso. Existe paródia sempre que se subverte um texto. É paródia pegar um texto sério e converter como texto cômico e no inverso também seria paródia, como pegar um romance do passado e transformá-lo em uma ficção científica, ou pegar uma ficção científica e transformar em uma história de amor. Tudo isso é paródia.
Há diferença entre a paródia séria e a humorística?
Se eu sou humorista e quiser pegar um texto sério e fazer uma paródia, fazer uma brincadeira, é livre. Não preciso nem pegar autorização do autor do texto sério. Mas se eu escrever um livro humorístico e alguém quiser converter em um texto sério terá que ter a minha autorização.
Por que a humorística é livre?
Porque isso tem um sentido de crítica e mostra como alguma coisa séria tem o seu lado cômico. O que não me convence, porque todas as outras formas de paródia também têm senso de crítica igual.
Por que essa diferença de tratamento?
A única explicação a que cheguei é que as pessoas se divertem quando assistem Todo Mundo em Pânico, e portanto acabam tendo uma tendência mais flexível. A rigor, se eu quiser pegar uma obra, um romance histórico e transformar em uma ficção científica, eu vou precisar da autorização do autor desse romance histórico. Mas se eu pegar esse romance histórico e transformar em uma brincadeira eu não precisaria.
Há lei estabelecendo isso?
É doutrina. A lei brasileira se limita a dizer que são livres as parábolas e paródias, que não seja só uma mera imitação do texto. E que não cause descrédito.
Isso está no Código Civil?
A Lei dos Direitos Autorais, no artigo 47. A partir daí fui pesquisar e vi que nos Estados Unidos já havia distinção de paródia-alvo e paródia-arma. Não é conceito meu. Vi que existia no exterior e estou tentando trazer para o Brasil.
É consenso isso nos Estados Unidos?
Não, mas isso se coloca lá. Há também autores espanhóis. Mario Sol Muntañola, Rodrigo Bercovitz Cano.
O senhor fala em imitação-arma, charge-arma e imitação-alvo. Poderia explicar esses conceitos?
Se eu pego um texto sério, faço uma brincadeira não para atingir esse texto, mas seja lá o que for, eu estou usando esse texto sério como arma.
Há algum caso em que isso ocorreu?
Isso ficou claro no caso O.J. Simpson [ex-atleta de futebol americano, acusado da morte da ex-mulher e do namorado dela]. A Dr. Seuss Enterprises processou a Penguin Books por ter parodiado a obra The Cat in the Hat by Dr. Seuss. No livro The Cat NOT in the hat by Dr. Juice, O.J. Simpson é retratado  vestindo o chapéu do gato e segurando uma luva ensanguentada. A editora se defendeu dizendo que o livro era uma crítica, que era humor.
O que a Justiça disse?
O Judiciário falou que o desenho foi usado como arma para criticar o O.J. Simpson, não tinha nenhuma relação com o desenho. Tenho o direito de criticar quem eu quiser? Tenho, mas não usando obra alheia.
E no caso de imitação?
Dependeria de autorização ter sósias para fazer comerciais na TV. Se eu quiser pagar pela imagem de uma pessoa famosa será muito caro. Ponho outro para fazer, um sósia, gasto 5% do que gastaria e o efeito é o mesmo. Legitimamente eu não estaria lesando aquela pessoa porque o corpo é de outro ser humano que está ali, mas é claro que a referência é a mesma.
Nesse caso teria que ter autorização?
Sim. Aí não tem nada a ver com humor. Na França já julgaram dizendo que não precisa, por ser outra pessoa que está ali, outra imagem que está sendo divulgada. Não concordo, já que a referência é óbvia.
Isso não pode acabar cerceando a atuação, principalmente dos artistas?
Não porque aí a lei de direitos autorias tem já algumas hipóteses em que ela considera o uso livre, não depende da autorização. Não há problema no filme fazer uma citação, talvez reproduzir um pequeno trecho de outro filme ou fazer uma referência.
Como no caso de Todo mundo em pânico, que o senhor acabou comentando.
Todo mundo em pânico já é paródia mesmo e é por isso que a gente ri.
Mas como limitar a citação?
No nosso direito, paródia livre seria só a humorística. Qualquer outra obra que não é humorística já não entraria na discussão da paródia. A discussão seria se está se fazendo citação na medida adequada, reprodução, ou se está usando o mesmo estilo. Quanto que é o razoável? A nossa Lei de Direitos Autorais também não diz.
Por que não se discute isso? Medo da censura?
É um assunto que no Brasil é totalmente nebuloso. Você não tem um caso concreto, até porque às vezes até um efeito prático não é muito fácil. Piada, por exemplo, tem autoria, muito difícil de provar, mas tem. Mas para fazer valer esses direitos é difícil.
Essas coisas mal chegam nos tribunais então?
Não existe. Quem reclama muitas vezes é taxado: "Ah, não tem bom humor". Por que a foto tem que ter autorização e a caricatura não, quando talvez tivesse de ser o inverso? Por que a paródia humorística não precisa de autorização e as outras paródias precisariam? É tudo trabalho artístico.
A ConJur publica uma caricatura do entrevistado junto com a entrevista. Tudo bem?
Eu acho ótimo.
Entrevista feita pela revista eeltrônica Consultor Jurídico, 9 de setembro de 2012, com o professor Marco Antonio dos Anjos.