quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Falta transparência na gestão do Judiciário - O Globo

19-01-2012


O Judiciário entrou em recesso no fim de ano, mas continuou a discussão sobre a atuação da corregedora Eliana Calmon, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Depois de uma declaração ácida da corregedora, sobre a existência de “bandidos de toga” nos tribunais, o debate acerca das prerrogativas do conselho na investigação de magistrados subiu em decibéis e ganhou em emocionalismo, um perigo quando se trata de interpretar leis e a Constituição.

Espera-se a volta das sessões plenárias do Supremo Tribunal Federal para o julgamento de duas liminares, concedidas pelos ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, responsáveis por congelar a atuação da corregedoria do conselho. A primeira suspendeu o trabalho de apuração de desvios na folha de pagamentos de 22 tribunais; a segunda, concedida no início do recesso, impede o CNJ de abrir processo contra juízes por sobre as corregedorias regionais.

Esta última trata de questão decisiva, porque, em função do que decidir o STF, o conselho ficará ou não na dependência das corregedorias regionais, muito contaminadas pelo corporativismo. Há esperança de que tenham êxito gestões iniciadas pelo ministro do STF Luiz Fux, para tentar uma fórmula que atenue a ingerência do conselho nos tribunais, sem impedi-lo de agir, caso fique configurada a impunidade devido a laços de amizade entre magistrados sob suspeita e corregedores. Será um retrocesso, na modernização do Judiciário, se o CNJ for esvaziado na atividade de correição.

A liminar de Lewandowski paralisou um trabalho de auditoria em folhas de pagamento, em que haveria indícios de desembolsos indevidos. O assunto foi potencializado com a informação de que o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf), criado para coibir lavagem de dinheiro, detectou a movimentação fora dos padrões de R$ 855,7 milhões, em todo o Judiciário.

O alerta do Coaf é que teria levado a corregedoria do CNJ a instaurar a tal auditoria, antes mesmo de Eliana Calmon assumir no conselho.

Chamou ainda mais a atenção o dado de que alguém do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro girou R$ 282,9 milhões, por meio de 16 operações financeiras. Quarta, o próprio presidente do conselho de controle do Coaf, Antonio Gustavo Rodrigues, revelou que o operador daquela fortuna é um “ex-doleiro”, já em investigação pela Polícia.

Até informação consistente em contrário, sabe-se, afinal, que a dinheirama nada tem a ver com a Justiça do Trabalho fluminense. O que um doleiro fazia, ou faz, no TRT-RJ, esta é outra história, também a ser esclarecida.

Do episódio resta que a melhor alternativa diante de situações obscuras como esta é a transparência total — garantidos os direitos individuais estabelecidos na Constituição. Um doleiro continuaria nos arquivos do Coaf, catalogado como servidor da Justiça do Trabalho no Rio, se a história não fosse divulgada. Quantas outras, bizarras ou não como esta, existirão nos baús fechados da Justiça?

A corregedoria do CNJ não pode ser um tribunal de exceção. Nem qualquer outro organismo do Estado, por suposto. Mas é evidente que chegou a hora de permitir o oxigênio entrar no monolito indevassável em que se transformou a intrincada engrenagem administrativa do Judiciário.
 
Editorial do jornal O Globo, 19 de janeiro de 2012

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