terça-feira, 21 de junho de 2011

Mais da metade do país sem defensores!

Do jornal O Globo

21/06/2011 - "Mandaram entregar isso aqui. O que vai acontecer agora?", queria saber a cabeleireira e manicure Felipa Gimenes, ao chegar à Central de Relacionamento com o Cidadão da Defensoria Pública do Rio.

Felipa queria entender como poderia ficar com parte de uma herança que o ex-marido tinha recebido quando ainda eram casados - porque, "no meu entendimento de leiga, tenho esse direito". Na cabine ao lado, Alexandre de Souza, casado e com quatro filhos, ficou preso um mês porque não teve como pagar 50% de sua renda de vendedor de cloro nas ruas como pensão para um quinto filho que teve com outra mulher fora do casamento; queria ajuda, "porque senão os outros quatro (filhos) ficam só com metade".

Moradores de mais da metade das cidades brasileiras, porém, não têm um defensor ao qual recorrer para tentar chegar até a Justiça. Apesar de a Defensoria ser obrigatória desde a Constituição de 1988, 58% dos municípios hoje não contam com defensores, segundo a Associação Nacional de Defensores Públicos. A associação afirma que, no Ceará, por exemplo, o número de defensores é suficiente apenas para 37% das cidades do estado. 

Já em Santa Catarina, a Defensoria não foi implantada até hoje, diz a entidade, pois quem realiza o serviço é a OAB.

Professora da USP e diretora do Centro de Pesquisas e Estudos Judiciais, Maria Tereza Sadek vê nas falhas do serviço de Defensoria no país um dos principais direitos da Constituição ainda não alcançados:
"O Rio tem a Defensoria mais antiga do país, mas o Paraná, por exemplo, só foi criar a sua este ano. Isso afeta diretamente o acesso à Justiça, a Defensoria é o lugar para onde vai quem não conhece os direitos ou não tem recursos.

"Já ouvi 'tenho direito a uso cambião' (usucapião), 'quero me separar do meu inquilino'... A pessoa sabe que algo está errado, mas não sabe a tradução disso na lei, nem como chegar ao seu direito", diz a defensora pública Adriana Quinhões, da Defensoria do Rio. - Assim como ensinam nos colégios, por exemplo, educação sexual, deveriam ensinar noções jurídicas básicas, para a pessoa saber o que faz um juiz, um promotor...

Outra alternativa de acesso à Justiça para a população e que hoje está aquém do necessário é a prática da conciliação. Ela só está estruturada em um núcleo - como exige a resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, que criou a Política Nacional de Conciliação - em metade dos Tribunais de Justiça do país, segundo o CNJ.

Somando TJs a Tribunais Regionais Federais e Tribunais Regionais do Trabalho, o CNJ registra 42 Núcleos de Conciliação para um país que tem 91 tribunais. Além de oferecer ao cidadão alternativa menos custosa e mais rápida, a conciliação ainda é considerada uma forma de diminuir a pilha de ações que sobrecarrega o Judiciário.

"Na primeira audiência de todo processo, o juiz é orientado a tentar uma conciliação. Mas aí o processo já foi aberto. Muitos tribunais ainda precisam criar um setor de conciliação", diz Pablo Cerdeira, professor da Escola de Direito da FGV-Rio.

Cerdeira participou de uma pesquisa do Direito da FGV-Rio sobre o Supremo que mostra que o poder público ainda custa a recorrer à conciliação. Segundo a pesquisa, 87% das partes que mais entravam com recurso no STF vinham do Executivo; e que a Telemar é a única empresa privada entre os 12 maiores responsáveis por processos que chegam ao STF.

Outra das instituições que podem melhorar a relação entre sociedade e Justiça, o Ministério Público assumiu um protagonismo que não tinha antes da Constituição de 88, afirma o procurador da República Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional de Procuradores da República, para quem o MP ganhou ares de "um quarto poder, um poder fiscal":
"O MP ampliou suas funções a partir de 88, indo do criminal para o cível, meio ambiente, patrimônio cultural, a ponto de se tornar sinônimo de denúncia. O cidadão de escolaridade média, em vez de dizer "vou à Justiça", passou muitas vezes a dizer 'vou ao MP'".

Maria Tereza Sadek, da USP, destaca, além da atuação do MP, a criação da Secretaria da Reforma do Judiciário, no primeiro governo Lula. Ela cita ainda outro debate que precisa ser feito:
"É a discussão atual sobre a PEC dos Recursos, se se deve diminuir ou não o número de recursos. A questão é que, do jeito que está, o Judiciário não tem mais condições de continuar. Há, em média, um processo para cada três habitantes!

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